Ho Chi Minh: o libertador vietnamita
O livro organizado por Pedro de Oliveira se debruça sobre esse gigante. Não no estilo biográfico propriamente. É publicação de natureza essencialmente política
O livro organizado por Pedro de Oliveira se debruça sobre esse gigante. Não no estilo biográfico propriamente. É publicação de natureza essencialmente política. Envolve uma apresentação da trajetória do líder vietnamita e das circunstâncias históricas a emoldurar sua caminhada, feitas no prefácio por Renato Rabelo e depois pelo próprio autor. Na sequência, oferece ao leitor um painel expressivo de seus principais textos, possibilitando uma viagem por suas intervenções teóricas, todas elas voltadas à luta política, e, naquele caso, luta armada, pois os invasores nunca deixaram alternativas aos vietnamitas. É uma obra de consulta. Voltada à formação da militância, mas também a pesquisadores, a acadêmicos interessados na história de libertação do Vietnã, sempre um enigma a desafiar quem queira entender as lutas envolvidas no embate dos David contra Golias – aqui, não se trata de metáfora: David derrotou Golias.
É curioso acompanhar a evolução do pensamento de Ho Chi Minh – vai de Confúcio a Lênin, e aqui ele encontra porto seguro para não mais se afastar.
Uma vida empolgante
Nasce em 1890 numa aldeia vietnamita da província de Nghê Na, filho de um professor rural. O nome verdadeiro era Nguyen Sinh Cung. Somente mais tarde será mundialmente conhecido como Ho Chi MInh – “aquele que ilumina”.
Nos meados do século 19, o colonialismo francês chega ao Vietnã, e as muitas tentativas de resistência foram infrutíferas. Ho Chi Minh, com 21 anos, a partir de 1911, formação básica completa, realiza um périplo pelo mundo, e depois por algum tempo, fixa-se em Paris, onde tem acesso ao pensamento progressista do mundo ocidental e à obra de Lênin, especialmente sobre a questão colonial, sua obsessiva preocupação.
Entre 1921 e 1930, Nguyen Ái Quoc, nome utilizado para se livrar da vigilância dos órgãos de segurança franceses, filia-se ao Partido Socialista Francês, e depois se torna um dos fundadores do Partido Comunista da França. A partir daí, participa de congressos e reuniões da Internacional Comunista. De 1931 a 1940, assume o nome Ho Chi Minh, e inicia esforços para colocar em prática suas ideias e pontos de vista no teatro da guerra de libertação no Vietnã.
Entre 1941, retorna à sua terra
Lidera a luta pela independência e, em 1946, vê aprovada a primeira Constituição da República Democrática do Vietnã. Os franceses, no entanto, só seriam derrotados de modo definitivo, na batalha de Dien Bien Phu, famosa base militar francesa, iniciada no dia 7 de maio de 1954, e só concluída com a derrota dos invasores 55 dias após.
Em conferência realizada em Genebra, decide-se pela cessação de hostilidades no Vietnã, Laos e Camboja. O país seria temporariamente dividido em dois. Ao norte, administrado pelo governo da República Democrática do Vietnã. Ao sul, sob controle do governo submisso ao Exército dos EUA, disposto a substituir as forças colonialistas francesas na região.
Em 1954 mesmo, o presidente Eisenhower decide invadir o Vietnã. Foi uma devastação, repressão sangrenta – ao final de 1955, 466 mil pessoas foram presas, das quais 400 mil se tornaram presas políticas e 66 mil foram assassinadas.
Kennedy, ao assumir, passa a falar em “resposta flexível” para a guerra ou “guerra especial”, caracterizada pelo uso de conselheiros militares e armamento pesado. Combates, a cargo das tropas títeres sul vietnamitas. O novo presidente americano esperava acabar com a guerra em dezoito meses. Ilusão. Não sabia com quem estava lidando, o atoleiro em que entrara.
Entre 1963 e 1965, as forças vietnamitas lideradas por Ho Chi Minh conseguiram libertar 12 mil comunidades das 17 mil existentes no Sul. Iam caminhando para a libertação do país e sua reunificação. Lyndon Johnson, ao assumir depois do assassinato de Kennedy, dá continuidade à guerra, intensificando-a. Mais e mais atoleiro. Em 1967, acabara a “guerra especial”: havia meio milhão de soldados norte-americanos nos campos de batalha do Vietnã. Cresce nos EUA a indignação da opinião pública contra a guerra – eram muitos corpos de jovens americanos chegando ao país.
De janeiro a agosto de 1968, as tropas da Frente de Libertação Nacional do Vietnã desencadeiam a chamada Ofensiva do Tet, confrontando os exércitos norte-americano e sul-vietnamita. Atacados trinta campos de pouso de aviões americanos e centenas de cidades, a ofensiva teve um impacto poderoso nos EUA e em todo o mundo. O Império vai se isolando. Nixon eleito resolve, em 1969, vietnamizar a guerra – fortalecer o exército sul-vietnamita, com equipamentos e dinheiro. Como se adiantasse.
Seis anos após, Saigon caiu, terminou a guerra, e em 1976 o Vietnã se reunifica, numa das mais impressionantes vitórias militares da era contemporânea, quando um pequeno país derrota o mais poderoso império do mundo. Anos depois, em 1987, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) promulga resolução tornando Ho Chi Minh “Herói libertador do povo vietnamita e um homem de cultura para a Paz”.
O líder vietnamita recolheu muitas influências vida afora. Bebeu nas fontes de Confúcio. Absorveu a importância da Declaração da Independência dos EUA, de 1776 – “todos os homens foram criados iguais e são dotados de certos direitos inalienáveis, dentre os quais o direito à vida, liberdade e o direito à felicidade”. Estudou as ideias de George Washington, Thomas Jefferson e Abraham Lincoln. Passa a admirar o desejo de liberdade e independência do povo americano. Foi sentindo, não obstante, os paradoxos dessas ideias quanto à liberdade e à igualdade. Milhões de trabalhadores não desfrutavam da tão proclamada igualdade de direitos e viviam na miséria. E havia a violenta discriminação contra os negros. Uma revolução burguesa incompleta, como ele considerava também a Revolução Francesa.
Ele não renega os ensinamentos positivos de Confúcio – a lição da ética pessoal. Nem despreza a benevolência advinda do cristianismo. Chega a dizer, ao falar de sua primeira fase de formação: Confúcio, Cristo e Marx buscavam a felicidade e o bem-estar da sociedade. Sofre a influência do nacionalismo chinês, por intermédio do pensamento de Sun Yat-sen. Sua Estrada de Damasco, no entanto, foi Lênin, a partir de suas posições claras sobre a questão colonial. No revolucionário russo, encontrou a síntese de uma visão ampla, a incluir não apenas as lutas da classe operária nos países desenvolvidos, mas também as dos povos oprimidos pelo colonialismo. E juntou o pensamento socialista e anticolonialista, e com ele seguiria até o fim, sem vacilar, liderando seu povo.
Disse logo no início: o livro vale pela apresentação de Ho Chi Minh e mais pelo volume de textos dele próprio, a serem descobertos pelo próprio leitor. São documentos preciosos, a revelar um intelectual comunista a serviço da revolução, integrado à cultura de seu povo, capaz de promover alianças amplas quando necessárias, atento à formação dos quadros e dos militantes, perspicaz na orientação militar, consciente de quando devia ir para a ofensiva e quando não, dirigente capaz de unir sempre tática e estratégia, liderança a carregar o povo no coração, no mais profundo de sua alma. Sem isso, sem amor e respeito ao povo, a vitória não seria possível.
Marx afirma: os homens fazem a história, mas a fazem sob determinadas circunstâncias. Homens como Ho Chi Minh tomam a história nas mãos. Compreendem e sob certos aspectos moldam as circunstâncias. Munem-se dos indispensáveis conhecimentos teóricos, e vão à luta política, se preciso, armada, como no caso do Vietnã. Foi um herói do seu tempo. Um gigante. Edificador da nação vietnamita libertada. Jamais será esquecido. Eterno.
Serviço:
Ho Chi Minh – Vida e obra do líder da libertação nacional do Vietnã
Organização: Pedro de Oliveira
Número de páginas: 288
Editora: Anita Garibaldi
Onde comprar: Livraria Anita Garibaldi
Por Emiliano José Publicado 07/06/2022 10:15